domingo, 2 de fevereiro de 2025

NIETZSCHE E O TARÔ: O DESTINO NÃO ESTÁ NAS CARTAS, MAS EM QUEM AS LÊ

Por:Antônio Carlos Flumigan

O que Nietzsche diria ao se sentar diante de um baralho de Tarô? Talvez arqueasse uma sobrancelha, segurasse uma carta entre os dedos e soltasse um riso irônico antes de perguntar: "Eis aqui o destino, aprisionado em símbolos? Eis aqui a vontade do homem reduzida a imagens sobre a mesa?"

Mas ele não rejeitaria o Tarô por completo. Longe disso. Nietzsche não era um homem de recusar símbolos – ele os desmontava, os reinventava, os incendiava para que deles surgisse algo novo. As cartas, para ele, não seriam janelas para o futuro, mas espelhos. Espelhos da psique humana, da eterna luta entre força e fragilidade, entre criação e destruição, entre a mentira confortável e a verdade que dilacera.

Se houvesse algo que o interessasse nas cartas, seria sua capacidade de revelar, não o destino, mas o homem diante de si mesmo. Não como um escravo de forças ocultas, mas como um ser diante da escolha: aceitar-se como é ou transformar-se no que pode ser.

E então, com esse olhar afiado, ele embarcaria em sua leitura – mas não uma leitura comum. Ele veria nas cartas não um jogo de adivinhação, mas um mapa da existência.

A Torre: Quando a Mentira Cai
Aqui está o primeiro golpe. A Torre ruindo, como tudo que foi construído sobre bases frágeis. Ele daria um sorriso, talvez recordando suas próprias palavras: “Tudo que é erguido sobre mentiras há de ruir”. Deus caiu. As verdades herdadas desmoronaram. Crenças, certezas, estruturas que antes pareciam inabaláveis, agora se transformam em escombros. E o homem? Ele se assusta, se desespera, se apega ao que já não existe. Mas Nietzsche veria aqui um convite, e não um fim. A destruição, para ele, nunca foi a última página, mas a primeira de uma nova história. O espírito forte não lamenta a queda da Torre – ele caminha sobre seus destroços e ergue algo novo, algo verdadeiro.

O Eremita: O Caminho Solitário
Após a destruição, o silêncio. O Eremita caminha sozinho, segurando sua lanterna, afastado da multidão. Nietzsche talvez inclinasse a cabeça diante dessa carta, reconhecendo nela a jornada de quem recusa o conforto do pensamento fácil. Ele próprio caminhou assim, sozinho entre os homens, desafiando o mundo, desconstruindo conceitos, iluminando o caminho não para os outros, mas para si mesmo. O verdadeiro crescimento não acontece entre os gritos da multidão, mas no silêncio da própria mente. É na solidão que se encontra a própria essência, que se dissolve o medo de ser quem se é. O Eremita não se isola por fraqueza – ele se fortalece.

O Julgamento: O Chamado Para Se Tornar Quem Se É
E então, o renascimento. O Julgamento não traz castigos ou recompensas – isso seria uma tolice cristã. O que essa carta anuncia é um chamado: Levanta-te! Escolha ser mais do que foste até agora! Para Nietzsche, não há tribunal celestial, apenas a própria consciência, exigindo uma resposta. O homem pode se arrastar pelas sombras do que já foi ou pode erguer-se, ressignificar-se, aceitar que cada dia é um novo campo de batalha onde pode criar-se novamente. E é aqui que mora a verdadeira liberdade: não em aceitar um destino imposto, mas em moldá-lo com as próprias mãos.

Nietzsche e o Tarô: A Verdadeira Escolha
No fim, Nietzsche não se renderia às cartas como destino. Ele as arrancaria da mesa e perguntaria: "E agora, o que você fará com isso?" Porque, para ele, não era o Tarô que falava sobre o futuro – era o homem que escolhia como interpretá-lo. E essa escolha, essa possibilidade de olhar para si mesmo e decidir, era tudo o que realmente importava.

O Tarô, então, não diria o que será, mas sim o que pode ser. Um convite, não uma sentença. Um espelho, não uma prisão.

Porque o destino não está nas cartas. Está em quem as lê.

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